25 de março de 2012

pré conceito




todos estavam ali, revoltados com aquele.
aquele não prestava.
todos sim.
todos bem.
todos zen...

então, aquele, lá no seu canto, via de binóculo a vida.
não entendia direito nada, mas sentia-se em movimento, e isso em si já justificava a beleza da existência.
então, aquele foi lá, com todos. naif, chegou da sua maneira, sendo quem era.
....
que clima indesejado...mas todos cederam, espontaneamente, no momento, e a revolta causada entre um e outro e algum outro ainda, e depois mais alguns, se diluiu na incrível mágica onipresente em qualquer encontro humano. (alguns não sentem, mas geralmente, há esperança que ainda se sinta, ainda que a situação pareça obviamente e fatalmente, totalmente perdida...)


então, o encontro corria tranquilo, salvo pelo gongo da magia, pura sinestesia, entre uns e outros. porque quando os bichos se encontram, ficam bobos. de alegria, de tudo, de nada, de vida. ficam pacíficos. parecem crianças. param de julgar.  esquecem de julgar - nem que por curto tempo.


este e aquele, estavam iguais...


a cidade, cheia de prédios cinzas, de todas as tonalidades, e o céu cinza escuro, nublado, subia.
a fumaça não sei se subia, ou se descia, ou se ficava.
dentro do pulmão.
a poluição ativou a poluição mental.
e o tempo foi fechando.

a cidade comia aquelas pessoas, relembrando-lhes das verdades absolutas, dos padrões únicos, tombados, velados, seculares, subliminares que seguiam, as ideias engessadas e pré estabelecidas há tanto tempo, que nem pareciam ter um dia nunca existido.



e todos se afastaram gradativamente, deixando aquele , no vento. no relento. seria lepra ou só bizarria??... seria contagioso?
conforme se afastavam, percebiam, confirmavam e afirmavam o quão... estranho, torto, diferente, sei lá, tudo de errado, tinha e era aquele ser. 
o quão inadequado, indiscreto, indesejável, certamente muito estranho, ah, isso não tenha dúvida, altamente bizaarro, era de fato. e ainda poderia ser mais. mais... fora do padrão de todos, mais isso, mais aquilo, mais sempre diferente e repugnante, naturalmente. 
mais do mesmo: mais do diferente... 

um perigo concreto, um perigo intelectual: pra que pensar e entender e perder tempo e buscar ampliar o fenômeno da aceitação daquele ser tão irritantemente, agora, adverso e incoerente?

todos se chocaram ao olhar a imagem que viam naquele, afinal. como puderam se misturar... não deviam ter feito isso... pode ser perigoso...como um vírus, uma doença – aquele não poderia nunca, jamais, se adequar ao grupo que se sentia completo, harmônico. já bem conceituado em si mesmo.


chega.

já era.
não há espaço para alardes. nem para reflexão. nem para inclusão. 

no final do dia, se passa a régua e se pensa: por que não manter os bons e velhos e firmes pré conceitos, que nos economizam tempo, debate, flexibilidade mental, reflexão e dinheiro?

pois bem. tudo como sempre havia sido.

alguns “superiores”, identificados com seu poder ainda maior de “normalidade” e certeza absoluta, verbalizavam o erro cometido, o perigo iminente de se abrir a exceção da inclusão: não. 

não há exceção. loucura, bizarria, diferença, autenticidade, merecem a morte, o fim, a aniquilação.

tipos psicobiofísicos assim, não careciam caber. não podem caber – o mundo é dos normais, dos retos, dos lineares, dos felizes, ainda que pseudo-felizes.


não reconheceriam, então, este tipo de gente. e gente nova desestrutura estruturas antigas. 

melhor ficar tudo igual. tombado. mais simples. manutenção básica de maniqueísmos seculares – poruqe tempo sempre será dinheiro aqui no capitalismo. estranhice é coisa pra hospital psiquiátrico, ou prisão. ou qualquer lugar assim.

reclusão, morte e anonimato à tudo que destoe do que está posto.

assim ficou decidido no grupo da humanidade.

ainda hoje preza-se esta tremenda tradição da crença secular humana.

nada como um Cristo fácil.
nada como um Cristo óbvio.

psicofobias.humanofobias.

melhor tê-las do que ficar investindo em gente louca, rara, deturpada.
melhor por a máscara de normal, de regular, ter a carteirinha do clube – ainda que seja este, também, um louco de pedra no armário.

tempo é dinheiro.









6 de março de 2012

sina


Minha sina é passar tudo a limpo.
Tudo.
Vejo e revejo; regorgito; re vivo.

E fui repetindo o mesmo padrão, até que arrebentei o espelho.
E fiquei sem rumo.
Não vi mais quem eu era.
Desfragmentada, em pedaços caquéticos

Renasci, assim...

O que vale é presente, é a água corrente existente

O que vale é a poesia

Um sonho na esquina.
Um samba no coração.
Uma vivência sem par.

Minha sina é ver.

Devagar. No ritmo da água lenta, fria e profunda.

Sem dogmas, sem barreiras, nem verdades absolutas.

A liberdade, que assusta, é o sangue das minhas veias.